"E transfigurou-se diante deles; e o seu rosto resplandeceu como o sol, e as suas vestes se tornaram brancas como a luz. E eis que lhes apareceram Moisés e Elias, falando com ele." Mateus 17:2-3
Concordamos com metade da explicação oferecida por Adventistas, visto que, de acordo com 2 Rs 2.11, Elias não morreu, mas foi elevado aos céus por um redemoinho (e não por um carro de fogo, como muitos imaginam).
No entanto, apologistas Adventistas se complicam ao explicar a condição do falecido Moisés no evento da transfiguração. Para uniformizar o evento com a doutrina adventista conhecida como “sono da alma”, recorrem ao texto de Jd 1.9, a fim de embasar seu raciocínio de que Moisés teria sido ressuscitado por Jesus (na passagem, personificado por Miguel) e, por esse motivo, esteve presente no evento da transfiguração.
“Mas o arcanjo Miguel, quando contendia com o diabo, e disputava a respeito do corpo de Moisés, não ousou pronunciar juízo de maldição contra ele; mas disse: O Senhor te repreenda.” Judas 1:9
Ao invés de abordar os falsos pressupostos adventistas de que o Arcanjo Miguel é Jesus, e de que Moisés teria ressuscitado primeiro que Cristo, escolhemos focar nossa atenção na declaração de Judas, na qual o texto diz claramente que Miguel “disputava a respeito do corpo (cadáver) de Moisés”. O que isso quis dizer? Será que está de acordo com o pensamento adventista de que há uma declaração implícita sobre a ressurreição de Moisés?
Nossa análise partirá dos princípios hermenêuticos em que devemos considerar as palavras em seu sentido usual, além de considerá-lo dentro de seu contexto.
É comum usarmos o termo corpo para referirmos ao que resta da pessoa após a morte. Já que não possui mais a personalidade própria de quem está vivo, aquele que faleceu não pode mais ser chamado de pessoa. É apenas um corpo. Assim, considerando o sentido usual da palavra corpo, podemos dizer que somos autorizados a entender que Judas referiu-se ao corpo morto de Moisés.
Já o contexto a ser tomado é o de que Judas adverte a Igreja contra os falsos mestres que causam dissensões. O verso 8 diz que as pessoas já contaminadas não se submetiam às lideranças da Igreja. E é nesse contexto que o verso 9 declara que até no mundo espiritual existe subordinação. E foi por esta razão que Miguel, mesmo sendo um arcanjo divino, resumiu-se a repreender Satanás em nome do Senhor, em vez de ficar proferindo impropérios e maldições contra ele.
Concluímos que o contexto não admite a declaração de que Moisés foi ressuscitado (até por que não é esse o objetivo da carta de Judas). Entretanto, pelo sentido usual da palavra corpo, é possível admitir que o corpo de Moisés era um corpo morto. Afinal, é assim que a humanidade usualmente se refere àqueles que já faleceram.
Recorremos então à busca de clareza em outras passagens que tratem do mesmo assunto e, sobre Moisés, temos declarado que este morreu e Deus o sepultou em local desconhecido pelo homem (Dt 34.6). E esta é a última declaração inequívoca a respeito do estado de Moisés nas Escrituras: está morto e sepultado.
Façamos um último apelo àquilo que os historiadores chamam de crítica externa das fontes literárias. Com ela, os historiadores buscam outros documentos que corroborem a visão apresentada pelos documentos principais. Neste caso, procuraremos realizar a critica da fonte utilizada por Judas ao escrever o verso 9.
Os estudiosos do assunto dizem que Judas lançou mão de diversos escritos que lhe eram contemporâneos. Neste verso, em especial, conjectura-se que Judas o tenha extraído dos escritos conhecidos como “A Assunção de Moisés”. Para quem lê o título, imagina que Moisés verdadeiramente ascendeu aos céus em seu próprio corpo após sua morte. Será que é assim, mesmo?
Infelizmente, o que sobrou dos tais escritos não é conclusivo a respeito do verdadeiro estado de Moisés após seu enterro. O manuscrito possui trechos ilegíveis e, até mesmo, destruídos. Contudo, como sabemos que a Bíblia é totalmente inspirada, podemos crer que tal informação é verídica, mesmo que tenha origem em um escrito não-canonizado. Mas... como fica Moisés? Está vivo ou morto, no momento da disputa entre Miguel e Satanás?
Bem... em última instância, vejamos o que diz R.H.Charles, em seu livro “The Assumption of Moses”:
Agora, a julgar pelos fragmentos gregos sobreviventes, que daremos na íntegra hoje, a ordem da ação em Assunção original era provavelmente como segue:
I. Miguel é comissionado para enterrar Moisés
II. Satanás se opõe a seu enterro, por dois motivos
(A) Em primeiro lugar, Satanás afirma ser o senhor da matéria (daí o corpo por direito deve ser entregue a ele). Para esta afirmação Miguel responde: "O Senhor te repreenda, pois foi o Espírito de Deus que criou o mundo e toda a humanidade." (Daí não Satanás, mas Deus era o Senhor da matéria).
(B) Em segundo lugar, Satanás traz a acusação de assassinato contra Moisés. (A resposta a esta acusação é requerida)
III. Ao refutar as acusações de Satanás, Miguel então procede a acusação de Satanás como tendo inspirado a serpente para tentar Adão e Eva.
IV. Finalmente, depois de toda a oposição ter sido superada, a Assunção tem lugar na presença de Josué e Calebe, e de uma maneira muito peculiar. Uma apresentação dupla de Moisés aparece: uma é Moisés "vivo em espírito", que é levada para o céu, o outro é o corpo de Moisés, que está enterrado nos recessos das montanhas.
Este esboço é fundada, como temos observado, em cotações e referências que ocorrem em São Judas e escritores subseqüentes. (CHARLES, R.H. The Assumption of Moses, pg 105)
Do que se conclui, as evidências hermenêuticas e críticas apontam para a interpretação evangélica, como a que melhor se harmoniza com os demais escritos da Bíblia. A saber: que Moisés estava morto quando Miguel disputou o corpo dele e assim permanecerá até o dia da primeira ressurreição dos justos.
Abraços a todos,
Diego Romualdo
tenenteromualdo@gmail.com