As atitudes de Jesus e Sócrates perante a morte e a imortalidade da alma
[Compreendendo o destino humano]
Após mencionar a descrição que o teólogo Oscar Cullmann fez da atitude de Sócrates diante da morte, quando esse filósofo grego, a fim de demonstrar aos seus discípulos sua crença na imortalidade da alma, suicidou-se bebendo cicuta em “perfeita paz e compostura”, o estudioso adventista Samuele Bacchiocchi declarou:
Para Sócrates, a morte era o maior amigo da alma porque a põe em liberdade das cadeias do corpo. Quão diferente foi a atitude de Jesus para com a morte! Na véspera de sua morte, Jesus achava-se no Getsêmani “tomado de pavor e de angústia” (Mc 14:33) e disse a seus discípulos: “A minha alma está profundamente triste até à morte” (Mc 14:34). Para Jesus, a morte não era um grande amigo, mas um temível inimigo, porque o separaria de seu Pai. Ele não encarou a morte com a compostura de Sócrates, que a defendeu pacificamente como uma amiga. […] Se a morte libertasse a alma do corpo e assim tornasse possível que esta desfrutasse comunhão com Deus, então Cristo a teria acolhido muito bem por lhe oferecer a oportunidade de reunir-se com o Pai.[1] (itálico acrescentado)
Por meio desse contraste entre Sócrates e Jesus, fica evidente que Bacchiocchi e Cullmann pretendem defender a teoria da inconsciência dos mortos, ou seja, a idéia de que a morte lança a pessoa num estado de completa e literal inexistência, pois o homem não teria uma alma imaterial e imortal, que permanece consciente após a dissolução do corpo. Segundo eles, a atitude positiva de Sócrates diante da morte deveu-se à crença pagã desse filósofo na imortalidade da alma. A atitude negativa de Jesus, porém, comprovaria que Ele sabia que Sua morte O lançaria num estado de inconsciência, separando-o do Pai.
No entanto, essa postura negativa de Cristo, diante de Sua morte, de maneira alguma pode ser usada como argumento contra a imortalidade da alma, por pelo menos dois motivos. Em primeiro lugar, a falha fundamental desse arrazoado consiste no fato de que a morte de Jesus, muito ao contrário da de Sócrates, foi (e é) única na história da humanidade, não podendo, portanto, ser utilizada para efeitos de comparação com a morte de nenhum outro homem, tampouco servir de exemplo aos cristãos. Cristo foi o único homem que, ao morrer, levou sobre Si os nossos pecados (Is 53.11, 12; Jo 1.29; Rm 3.25; Jo 2.2, etc.). Nesse caso, é evidente que a Sua atitude, momentos antes de Sua morte vicária, só poderia ter sido de “pavor e de angústia”, bem diferente da “perfeita paz e compostura” reveladas por Sócrates. Ou será que Bacchiocchi e Cullmann queriam que Jesus, mesmo ciente de que carregaria os pecados de todos nós, tivesse ficado feliz? Logo, percebe-se a falta de sentido em usar a postura de Cristo perante a morte para dizer que Ele não acreditava na imortalidade da alma.
Em segundo lugar, se Bacchiocchi e Cullmann argumentam que o cristão deve encarar a morte assim como Jesus encarou-a, com grande “pavor” e “angústia”, pois Jesus (supostamente) acreditava que Sua morte “o separaria de seu Pai”, então como que eles harmonizam isso com a declaração de Paulo, na qual ele expressou seu “desejo de partir e estar com Cristo, o que é incomparavelmente melhor” (Fp 1.23)? Aqui, fica claro que a posição do apóstolo, diante da possibilidade de sua morte, foi, no mínimo, idêntica à que Sócrates demonstrara séculos antes. Portanto, se uma atitude positiva perante a morte está associada à crença na imortalidade da alma, então Bacchiocchi e Cullmann, por questão de coerência, vêem-se forçados a concluir que o apóstolo Paulo também acreditava nessa doutrina.[2]
Ao apresentarem esse tipo de argumento, Bacchiocchi e Cullmann demonstram não conhecer aprofundadamente aquilo que a Bíblia ensina acerca da imortalidade da alma, nem como que nós, imortalistas, encaramos essa doutrina à luz da morte. Nós, cristãos imortalistas, ao contrário de Sócrates ou qualquer outro pagão, não consideramos a morte nossa “amiga”, tampouco lhe atribuímos um caráter libertador, como se ela fosse livrar nossa alma “das cadeias do corpo”. Nossa “perfeita paz e compostura” em relação à morte está firmada, não na idéia de que temos uma alma imortal, mas unicamente na certeza de que estamos unidos a Jesus, nosso verdadeiro amigo e libertador. Imbuídos dessa fé, quando a morte bater à nossa porta, podemos, com confiança, enfrentá-la sem temor algum, pois sabemos que absolutamente nada nem ninguém pode nos separar do Senhor (Rm 8.31-39).
Entretanto, essa atitude negativa acerca da morte, estranha e incoerentemente proposta por Bacchiocchi e Cullmann, é proveniente da equivocada idéia de que a morte quebra, literalmente, a comunhão entre o crente e Deus. Tal maneira de conceber o pós-túmulo colide, frontalmente, não apenas com a Bíblia, mas também com a postura positiva que os servos de Deus de todos os tempos e lugares demonstraram no momento que partiram desta vida.[3]
É lamentável que Oscar Cullmann, um dos grandes nomes da Teologia do século vinte, ao abraçar e, assim, tentar apoiar a antibíblica teoria da inconsciência dos mortos, não tenha percebido o equívoco em contrastar as atitudes de Sócrates e Jesus diante da morte. Mais uma prova de que por mais inteligentes, sábios, zelosos, respeitados e conhecidos que sejam, os teólogos também cometem, assim como qualquer um de nós, deslizes naquilo que declaram (Tg 3.2). Se Sócrates, que era pagão, demonstrou “perfeita paz e compostura” antes de morrer, então que dirá nós, cristãos, que estamos inseparavelmente unidos a Jesus, nosso Senhor e Salvador! Se Aquele que venceu a morte está ao nosso lado em todos os momentos, então encarar a morte com “pavor” e “angústia” seria uma atitude de incredulidade de nossa parte, e não uma demonstração de que sabemos que a morte nos separa do Pai, pois ela supostamente nos lançaria numa condição de inconsciência, inexistência.
Paulo Sérgio de Araújo
[1] BACCHIOCCHI, Samuele. Imortalidade ou Ressurreição: Uma abordagem bíblica sobre a natureza e o destino eterno. Unaspress, 1ª edição, 2007, pg. 125. 2
[2] Não podemos nos esquecer de mencionar os milhares de mártires cristãos que, mesmo quando estavam sendo torturados por seus algozes, lançados aos leões ou queimados vivos, ainda sim riam da morte, despedindo-se desta vida com hinos ao Senhor. Se uma postura positiva diante da morte é sinal de que a pessoa acredita na imortalidade da alma, então todos esses heróis da fé criam nessa doutrina. Nenhum deles encarou a morte com “pavor” e “angústia”.
[3] Encontra-se disponível neste site [Imortalidade da Alma] o estudo “’Partir e estar com Cristo, o que é incomparavelmente melhor’ (Fp 1.23) : Os salvos que já morreram estão conscientes”, no qual são apresentados outros obstáculos que se levantam quando se acredita que a morte lança o cristão num estado de completa e literal inexistência, quebrando sua comunhão com o Senhor.
No entanto, essa postura negativa de Cristo, diante de Sua morte, de maneira alguma pode ser usada como argumento contra a imortalidade da alma, por pelo menos dois motivos. Em primeiro lugar, a falha fundamental desse arrazoado consiste no fato de que a morte de Jesus, muito ao contrário da de Sócrates, foi (e é) única na história da humanidade, não podendo, portanto, ser utilizada para efeitos de comparação com a morte de nenhum outro homem, tampouco servir de exemplo aos cristãos. Cristo foi o único homem que, ao morrer, levou sobre Si os nossos pecados (Is 53.11, 12; Jo 1.29; Rm 3.25; Jo 2.2, etc.). Nesse caso, é evidente que a Sua atitude, momentos antes de Sua morte vicária, só poderia ter sido de “pavor e de angústia”, bem diferente da “perfeita paz e compostura” reveladas por Sócrates. Ou será que Bacchiocchi e Cullmann queriam que Jesus, mesmo ciente de que carregaria os pecados de todos nós, tivesse ficado feliz? Logo, percebe-se a falta de sentido em usar a postura de Cristo perante a morte para dizer que Ele não acreditava na imortalidade da alma.
Em segundo lugar, se Bacchiocchi e Cullmann argumentam que o cristão deve encarar a morte assim como Jesus encarou-a, com grande “pavor” e “angústia”, pois Jesus (supostamente) acreditava que Sua morte “o separaria de seu Pai”, então como que eles harmonizam isso com a declaração de Paulo, na qual ele expressou seu “desejo de partir e estar com Cristo, o que é incomparavelmente melhor” (Fp 1.23)? Aqui, fica claro que a posição do apóstolo, diante da possibilidade de sua morte, foi, no mínimo, idêntica à que Sócrates demonstrara séculos antes. Portanto, se uma atitude positiva perante a morte está associada à crença na imortalidade da alma, então Bacchiocchi e Cullmann, por questão de coerência, vêem-se forçados a concluir que o apóstolo Paulo também acreditava nessa doutrina.[2]
Ao apresentarem esse tipo de argumento, Bacchiocchi e Cullmann demonstram não conhecer aprofundadamente aquilo que a Bíblia ensina acerca da imortalidade da alma, nem como que nós, imortalistas, encaramos essa doutrina à luz da morte. Nós, cristãos imortalistas, ao contrário de Sócrates ou qualquer outro pagão, não consideramos a morte nossa “amiga”, tampouco lhe atribuímos um caráter libertador, como se ela fosse livrar nossa alma “das cadeias do corpo”. Nossa “perfeita paz e compostura” em relação à morte está firmada, não na idéia de que temos uma alma imortal, mas unicamente na certeza de que estamos unidos a Jesus, nosso verdadeiro amigo e libertador. Imbuídos dessa fé, quando a morte bater à nossa porta, podemos, com confiança, enfrentá-la sem temor algum, pois sabemos que absolutamente nada nem ninguém pode nos separar do Senhor (Rm 8.31-39).
Entretanto, essa atitude negativa acerca da morte, estranha e incoerentemente proposta por Bacchiocchi e Cullmann, é proveniente da equivocada idéia de que a morte quebra, literalmente, a comunhão entre o crente e Deus. Tal maneira de conceber o pós-túmulo colide, frontalmente, não apenas com a Bíblia, mas também com a postura positiva que os servos de Deus de todos os tempos e lugares demonstraram no momento que partiram desta vida.[3]
É lamentável que Oscar Cullmann, um dos grandes nomes da Teologia do século vinte, ao abraçar e, assim, tentar apoiar a antibíblica teoria da inconsciência dos mortos, não tenha percebido o equívoco em contrastar as atitudes de Sócrates e Jesus diante da morte. Mais uma prova de que por mais inteligentes, sábios, zelosos, respeitados e conhecidos que sejam, os teólogos também cometem, assim como qualquer um de nós, deslizes naquilo que declaram (Tg 3.2). Se Sócrates, que era pagão, demonstrou “perfeita paz e compostura” antes de morrer, então que dirá nós, cristãos, que estamos inseparavelmente unidos a Jesus, nosso Senhor e Salvador! Se Aquele que venceu a morte está ao nosso lado em todos os momentos, então encarar a morte com “pavor” e “angústia” seria uma atitude de incredulidade de nossa parte, e não uma demonstração de que sabemos que a morte nos separa do Pai, pois ela supostamente nos lançaria numa condição de inconsciência, inexistência.
Paulo Sérgio de Araújo
[1] BACCHIOCCHI, Samuele. Imortalidade ou Ressurreição: Uma abordagem bíblica sobre a natureza e o destino eterno. Unaspress, 1ª edição, 2007, pg. 125. 2
[2] Não podemos nos esquecer de mencionar os milhares de mártires cristãos que, mesmo quando estavam sendo torturados por seus algozes, lançados aos leões ou queimados vivos, ainda sim riam da morte, despedindo-se desta vida com hinos ao Senhor. Se uma postura positiva diante da morte é sinal de que a pessoa acredita na imortalidade da alma, então todos esses heróis da fé criam nessa doutrina. Nenhum deles encarou a morte com “pavor” e “angústia”.
[3] Encontra-se disponível neste site [Imortalidade da Alma] o estudo “’Partir e estar com Cristo, o que é incomparavelmente melhor’ (Fp 1.23) : Os salvos que já morreram estão conscientes”, no qual são apresentados outros obstáculos que se levantam quando se acredita que a morte lança o cristão num estado de completa e literal inexistência, quebrando sua comunhão com o Senhor.
Fonte: www.imortalidadedaalma.com
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