COMPREENDENDO A NATUREZA E O DESTINO HUMANO (Parte 4)
DESTINO HUMANO
- Destruir não é aniquilar. Logo, Jesus acreditava no castigo eterno dos perdidos -
No tópico precedente, a fim de aprendermos sobre a natureza humana, nosso objetivo foi descobrir com qual sentido Jesus usou o substantivo “alma-psyche” em Mateus 10.28.
Agora, nossa atenção se volta totalmente para o sentido com o qual Ele empregou o verbo grego apolesai, para que possamos saber como será o destino final dos perdidos. Será que Jesus acreditava no tormento eterno dos maus? Ou no aniquilamento deles?
Deparando-se com esse vocábulo, Bacchiocchi imediatamente conclui que Mateus 10.28 não ensina nem a imortalidade da alma, nem o tormento sem fim dos perdidos, pois Jesus disse que Deus destruirá a alma humana na Geenna:
A referência ao poder de Deus de destruir a alma [psychê] e o corpo no inferno nega a noção de uma alma imortal, imaterial. Como pode a alma ser imortal se Deus a destrói com o corpo no caso dos pecadores impenitentes? Oscar Cullmann apropriadamente observa que “ouvimos na declaração de Jesus em Mateus 10:28 que a alma pode ser morta. A alma não é imortal”. [...] A advertência de Cristo dificilmente ensina a imortalidade da alma. Antes, declara que Deus pode destruir a alma bem como o corpo. [...] O fato de que Jesus claramente fala de Deus destruir tanto o corpo quanto a alma no inferno demonstra que o inferno é o lugar onde pecadores são por fim aniquilados, e não atormentados eternamente. (itálicos acrescentados)
De acordo com Bacchiocchi, o verbo apolesai (oriundo de apollymi), traduzido em muitas versões por “fazer perecer” ou “destruir”, tem apenas um sentido: “aniquilar”. Isso seria prova inequívoca de que Jesus não acreditava no eterno sofrer dos ímpios na Geenna, mas, sim, no aniquilamento deles.
Todavia, esse sentido conferido ao vocábulo apolesai, na segunda parte de Mateus 10.28, não se sustenta, por diversas razões. Em primeiro lugar, vejam abaixo alguns textos que trazem variações de apollymi ou substantivos e adjetivos relacionados a esse verbo. Em todas essas ocorrências, percebam que apollymi jamais denota “aniquilamento”, “extinção”, o que comprova que Jesus usou apolesai, em Mateus 10.28, para falar de sofrimento consciente e infindável.
"E, tendo eles se retirado, eis que o anjo do Senhor apareceu a José em sonhos, dizendo: Levanta-te, e toma o menino [Jesus] e sua mãe, e foge para o Egito, e demora-te lá até que eu te diga; porque Herodes há de procurar o menino para o matar [gr. apolesai]." (Mt 2.13)
Referindo-se à intenção de Herodes de “matar-apolesai” o recém-nascido Jesus, Mateus usou um verbo idêntico ao que usou em Mateus 10.28 para falar da sorte final dos perdidos. Portanto, se apolesai significa mesmo “aniquilar”, como defende Bacchiocchi, então devemos concluir que Herodes pretendia aniquilar o menino Jesus?
"Então Jesus lhes disse: Uma coisa vos hei de perguntar: É lícito nos sábados fazer bem, ou fazer mal? salvar a vida, ou matar [gr. apolesai]?" (Lc 6.9)
Se o emprego de apolesai, em Mateus 10.28, indica que os perdidos serão aniquilados na Geenna, então Jesus, aqui em Lucas 6.9, teria perguntado aos fariseus se era lícito, num dia de sábado, aniquilar ou não uma pessoa?
"Aproximou-se dele uma mulher com um vaso de alabastro, com ungüento de grande valor, e derramou-lho sobre a cabeça, quando ele estava assentado à mesa. E os seus discípulos, vendo isto, indignaram-se, dizendo: Por que é este desperdício [gr. apoleia]?" (Mt 26.7, 8)
Será que os discípulos acreditavam que o ungüento derramado sobre a cabeça do Senhor havia sido aniquilado?
"Porque o Filho do homem veio buscar e salvar o que se havia perdido [gr. apololos]." (Lc 19.10)
Nosso Senhor veio ao mundo para salvar as pessoas que já foram aniquiladas?
"Comiam, bebiam, casavam, e davam-se em casamento, até ao dia em que Noé entrou na arca, e veio o dilúvio, e os consumiu [gr. apolesen] a todos. Como também da mesma maneira aconteceu nos dias de Ló: Comiam, bebiam, compravam, vendiam, plantavam e edificavam. Mas no dia em que Ló saiu de Sodoma choveu do céu fogo e enxofre, e os consumiu [apolesen] a todos." (Lc 17.27-29).
Acaso Jesus quis dizer que os pecadores dos dias de Noé foram aniquilados pelas águas do dilúvio? Ou, então, que os imundos moradores de Sodoma foram aniquilados assim que foram atingidos pelo fogo e enxofre enviados por Deus?
"Pelas quais coisas pereceu [gr. apoleto] o mundo de então, coberto com as águas do dilúvio." (2Pe 3.6)
Será que todos aqueles que morreram “com as águas do dilúvio” já foram aniquilados?
Ainda poderíamos exibir muitos outros textos que demonstram que apollymi, tanto em Mateus 10.28 quanto em outras partes do Novo Testamento, não tem nada a ver com algum aniquilamento que os perdidos experimentarão na Geenna. E se não tem esse sentido, então Jesus usou esse verbo com o sentido de “fazer perecer”, “arruinar”, “desgraçar”. Ou seja, a Geenna é um lugar de eterna dor e desgraça para os iníquos. Isso se harmoniza perfeitamente com tudo aquilo que Jesus disse em Mateus 10.28. Em Mateus 10.28, de maneira alguma Jesus associou o termo apolesai a “aniquilamento”, mas, sim, a “sofrimento”.
Em segundo lugar, o próprio contexto de Mateus 10.28 já comprova que apolesai de forma alguma significa “aniquilar”. Se na primeira parte desse versículo Jesus empregou “alma” para falar de um elemento imortal (ou seja, que não morre), só podemos concluir que essa “alma” não pode ser extinta. Seria uma contradição dizer que um componente imortal pode morrer, deixar de existir. Logo, apolesai não tem nada a ver com extinção. A imortalidade da alma, ensinada na primeira parte de Mateus 10.28, conduz, inevitavelmente, ao tormento eterno, conceito este claramente exposto na segunda parte desse versículo.
Em terceiro lugar, temos defendido que o verbo apolesai, em Mateus 10.28, refere-se à desgraça eterna e consciente que os perdidos experimentarão na Geenna. Para nós, essa palavra foi usada por Jesus para falar apenas dos sofrimentos que Deus infligirá aos iníquos, motivo pelo qual ela não traz em si qualquer idéia de “aniquilamento”, “extinção”. No entanto, a fim de tentar defender seu ponto de vista aniquilacionista, Bacchiocchi se vê obrigado a concluir que esse vocábulo grego diz respeito apenas a um ato único e instantâneo que Deus praticará contra os réprobos, a saber: o aniquilamento. Para esse estudioso adventista, o verbo apolesai está completamente desvinculado de qualquer idéia de sofrimentos, não importa se esses sofrimentos sejam temporários ou infindáveis. Para Bacchiocchi (assim como para os demais aniquilacionistas), apolesai, em Mateus 10.28, significa “aniquilar”, mas de forma alguma “sofrer”.
Todavia, se Jesus, ao usar apolesai, estivesse dizendo que Deus aniquilará (e não castigará eternamente) os perdidos na Geena, então para que temer a Deus? Afinal, quando os réprobos estiverem sofrendo temporariamente na Geenna, como acredita Bacchiocchi, seguramente implorarão para que Deus os aniquile o mais rápido possível, a fim de que suas angústias e dores cessem imediatamente. Nesse caso, torna-se claro que o aniquilamento dos perdidos que Jesus supostamente teria ensinado em Mateus 10.28 servir-lhes-á de grande alívio, pois ser aniquilado (“destruir-apolesai”) instantaneamente é infinitamente melhor que permanecer sofrendo, nem que seja por um minuto, nas mãos de Deus. Em suma, por que os ímpios haveriam de temer a Deus, se o aniquilamento que Ele lhes ministrará será muito bom e desejado?
Portanto, tudo isso só vem corroborar, ainda mais, a interpretação que estamos defendendo: que apolesai, em Mateus 10.28, de forma alguma significa “aniquilar”, mas, sim, “sofrer eternamente”.
Em quarto lugar, o texto paralelo de Lucas 12.4, 5 vai claramente contra a interpretação proposta por Bacchiocchi (e pelos demais aniquilacionistas), pois declara:
"E digo-vos, amigos meus: Não temais os que matam o corpo e, depois, não têm mais que fazer. Mas eu vos mostrarei a quem deveis temer; temei aquele que, depois de matar, tem poder para lançar no inferno [gr. geenna]; sim, vos digo, a esse temei."
De acordo com Jesus, o juízo divino é tão severo e terrível, que Deus, mesmo “depois de matar [o corpo]”, ainda fará algo infinitamente pior: lançará o ímpio na Geenna. Ora, essa afirmação contraria a visão que Bacchiocchi mantém acerca da (1) condição da pessoa no período entre a morte e a ressurreição e (2) do destino final dos ímpios. Para esse pensador adventista, quando os ímpios morrem, eles são lançados numa condição de completa e literal inexistência. Porém, no dia ressurreição, eles serão trazidos novamente à vida consciente apenas para sofrerem nas mãos de Deus por um período proporcional ao tempo que viveram neste mundo. Ao final desse terrível período de suplícios, os ímpios serão aniquilados, retornando ao estado anterior de inexistência, para nunca mais sair dele. Como fica claro, para Bacchiocchi tanto a morte do corpo quanto o aniquilamento do qual Jesus teria falado, em Mateus 10.28, fazem com que os perdidos caiam numa condição de inexistência.
Contudo, se o estado dos ímpios durante o período entre a morte e a ressurreição é idêntico ao estado em que eles mergulharão após serem aniquilados, então isso colide frontalmente com a declaração de Cristo, que consta em Lucas 12.4, 5. E por quê? Porque nosso Senhor afirmou que “fazer perecer na Geenna/ser lançado na Geenna” é infinitamente pior que morrer corporalmente. Em outras palavras, a condição dos ímpios, após Deus lançá-los, em corpo e alma, na Geena, será inimaginavelmente pior que a condição em que estavam durante o intervalo entre a morte e a ressurreição. Portanto, como que Bacchiocchi resolve esse conflito entre sua interpretação e as declarações de Jesus?
A única maneira de solucionar isso é admitir que Jesus, ao empregar o termo apolesai, em Mateus 10.28, concebia a Geenna como um local de castigos infindáveis para os perdidos, não de aniquilamento. Se a primeira morte, experimentada por crentes e ímpios, e a segunda morte (= aniquilamento), que será experimentada apenas pelos ímpios, arremessam o indivíduo na mesmíssima condição, então não há diferença alguma em Deus matar o corpo de um ímpio ou “aniquilar-apolesai a alma e o corpo” dele na Geenna, pois em ambos os casos esse ímpio cairá num estado de inexistência.
Portanto, é evidente que Jesus, no texto de Mateus 10.28 (assim como em Lc 12.4, 5), estava dizendo aos Seus discípulos que eles não deveriam temer seus perseguidores, pois o castigo máximo que estes poderiam lhes fazer era matar seus corpos. Após isso, eles não mais poderiam lhes causar dano algum. Os discípulos deveriam temer, isso sim, somente a Deus, pois Ele pode aplicar um castigo infinitamente pior: Deus não apenas tem poder para matar um corpo, mas, também, para lançar esse corpo, juntamente com sua alma, na Geena, para que a pessoa completa sofra eternamente nesse terrível lugar.
Entender esse ensinamento categórico de Jesus de forma diferente leva-nos a concluir, equivocadamente, que tanto os homens quanto Deus possuem poder para lançar alguém numa condição de inexistência. Portanto, torna-se notório que apolesai, em Mateus 10.28, nada tem a ver com “aniquilamento”, mas com “sofrimento consciente e interminável”.
Conclusão
Ao empreender uma investigação em torno do verbo grego apolesai, no contexto de Mateus 10.28, constatamos que Jesus não o empregou com o sentido de “aniquilar”, “extinguir”. Esse vocábulo refere-se ao castigo sem fim e consciente a que serão submetidos todos aqueles que forem precipitados na Geenna.
Também vimos que o sentido de apolesai, em Mateus 10.28, determina se as pessoas terão ou não medo do juízo divino. Se Jesus usou esse verbo para referir-se a um ato único e instantâneo de Deus que aniquilará os réprobos, então não há razão alguma para temê-Lo, pelo que a advertência de Cristo torna-se vazia. Porém, se usou apolesai para referir-se a um sofrimento infindável que Deus ministrará aos iníquos, então aí as pessoas têm, sem dúvida, motivo para tremer diante do juízo do Todo-Poderoso.