É verdade que o termo Trindade não se encontra no texto hebraico nem no grego, na Bíblia; e tampouco aparecem termos como “soteríologia” — no entanto, existe na teologia sistemática a doutrina da salvação, também se encontra a da “hamartologia”, a da “transcendência” e “imanência”, ou a da “preexistência” de Cristo, ou a “cristologia”.
No entanto, aventuramo-nos a insistir em que alguns dos ensinos básicos e fundamentais a respeito de Deus tornam-se praticamente incompreensíveis, sem que tenhamos uma boa compreensão da doutrina da Trindade.
Deuteronômio 6.4: “Ouve, Israel, o Senhor, nosso Deus, é o único Senhor”;
Marcos 12.29: “Respondeu Jesus: o principal é: Ouve, ó Israel, o Senhor nosso Deus é o único Senhor!”;
Efésios 4:6: “[Há] um só Deus e Pai de todos, o qual é sobre todos, age por meio de todos e está em todos”.
Vemos aqui afirmações claras, inequívocas de monoteísmo: Deus é um só. Não há outros deuses além dele. Isaías 45.22 menciona Deus dizendo:
“Olhai para mim e sede salvos, vós, todos os termos da terra; porque eu sou Deus, e não há outro”.
Ou ainda Salmos 96.4,5:
“Porque grande é o Senhor e mui digno de ser louvado, temível mais que todos os deuses. Porque todos os deuses dos povos não passam de ídolos [hebr. ‘elilim tem conotação de ‘fraco, sem valor’]; o Senhor, porém, fez os céus”.
Isso se torna muito explícito em l Coríntios 8.5,6:
“Porque, ainda que há também alguns que se chamem deuses, quer no céu ou sobre a terra, como há muitos deuses e muitos senhores, todavia, para nós há um só Deus, o Pai, de quem são todas as cousas e para quem existimos; e um só Senhor, Jesus Cristo, pelo qual são todas as cousas, e nós também, por ele”.
“No princípio, criou [bãrã; verbo no singular, não no plural bãre’û] Deus [elohim, plural na forma, tendo o final im; esse plural para ‘Deus’ provavelmente é um ‘plural majestático’; entretanto, compare-se Gênesis 1.26,27, que discutimos abaixo] os céus e a terra. A terra, porém, estava sem forma e vazia... e o Espírito de Deus pairava por sobre as águas [mostrando o envolvimento da terceira Pessoa na obra da criação]. Disse Deus [elóhîm]: Haja luz; e houve luz”.
Temos aqui Deus falando como a Palavra Criativa, o Verbo (Jo 1.3), que é a segunda Pessoa da Trindade. Diz a Bíblia que cada pessoa da Trindade tem uma função especial, tanto na obra da criação como na da redenção.
“Porque Deus amou ao mundo de tal maneira que deu o seu Filho unigênito, para que todo o que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna” (João 3.16).
A encarnação foi o cumprimento de seu decreto previamente anunciado em Salmos 2.7:
“Proclamarei o decreto do Senhor: Ele me disse: Tu és meu Filho, eu, hoje, te gerei”.
Ele também deu-nos o Messias como expiação pelos nossos pecados (Is 53.6, 10). De maneira semelhante, ele concedeu o Espírito Santo a seu povo (At 2.18; Ef 1.17). Ele derramou a salvação sobre os redimidos (Ef 2.8,9), pela fé, que também é dom de Deus. E a seu Filho entregou a Igreja (Jo 6.37).
Nas cartas de Paulo e nas epístolas gerais, encontramos outras afirmações claras sobre a deidade de Cristo:
1. Falando dos israelitas, assim diz Paulo:
“... deles são os patriarcas, e também deles [ón, o particípio realmente exige essa tradução; ho ón (‘ele é’) tem de ser uma construção modificadora de ho Christos, como seu antecedente] descende o Cristo, segundo a carne [i.e., do ponto de vista físico], o qual é sobre todos, Deus bendito para todo o sempre. Amém” (Rm 9.5).
“aguardando a bendita esperança e a manifestação [epiphaneia noutras passagens só se refere ao surgimento de Cristo, nunca de Deus Pai] da glória do nosso grande Deus e Salvador Cristo Jesus
3. Hebreus 1.8 cita Salmos 45.6,7 como prova da divindade de Cristo, ensinada no AT:
“mas acerca do Filho: O teu trono, ó Deus, é para todo o sempre” [o hebraico usa ‘elóhim aqui].
“Em tempos remotos, Senhor [o salmo todo dirige-se a Iavé, pelo que o autor insere o vocativo Senhor aqui, partindo de um contexto anterior], lançaste os fundamentos da terra; e os céus são obras das tuas mãos. Eles perecerão, mas tu permaneces”.
Aqui Cristo é mencionado como o Deus que sempre existiu, até mesmo antes da criação, que viverá para sempre, até mesmo depois de os céus terem cessado de existir.
5. Em l João 5.20, esse apóstolo diz:
“... estamos no verdadeiro, em seu Filho, Jesus Cristo. Este [lit., esta pessoa] é o verdadeiro Deus e a vida eterna”.
No que concerne às passagens do AT, os seguintes fatos relacionam-se à Trindade:
1. Gênesis 1.26 cita Deus (‘elóhim) que diz:
“Façamos o homem à nossa imagem, conforme a nossa semelhança...”.
Essa primeira pessoa dificilmente pode ser um plural editorial ou real, referente a uma única pessoa, a que fala, visto que tal uso não se verifica em parte alguma do hebraico bíblico. Portanto, precisamos enfrentar a pergunta:
Quem são as pessoas incluídas em “façamos nos” e em “nossa”. Dificilmente incluiríamos os anjos, que estariam sendo consultados, pois em parte alguma se diz que o homem foi criado à imagem deles; só de Deus. O v. 27 afirma: “Criou Deus [’elóhim], pois, o homem à sua imagem, à imagem de Deus o criou; o homem e a mulher os criou”, O Senhor — o mesmo Deus que falou de si mesmo no plural— declara agora que criou o homem à sua imagem. Em outras palavras, o plural equivale ao singular. Só podemos entender isto em termos da natureza trinitária de Deus. O verdadeiro Deus subsiste em três pessoas, as quais são capazes de discutir entre si e executar seus planos, pondo-os em ação, juntos — sem deixarem de ser um único Deus.
Para nós, que fomos criados à imagem de Deus, essa doutrina não deveria ser difícil de entender. Existe um sentido muito bem definido em que temos uma natureza tríplice, ou trinitária. I Tessalonicenses 5.23 indica-o com clareza:
“O mesmo Deus de paz vos santifique em tudo; e o vosso espírito, alma e corpo sejam conservados íntegros e irrepreensíveis na vinda de nosso Senhor Jesus Cristo” (grifo do autor).
Com freqüência, encontramo-nos engajados em debate entre nosso espírito, alma e corpo, quando enfrentamos uma decisão moral, uma escolha entre a vontade de Deus e o desejo de nossa natureza carnal, que busca o prazer egoísta.
2. Salmos 33.6 diz:
“Os céus por sua palavra se fizeram, e, pelo sopro [rûah, Espírito] de sua boca, o exército deles”.
Aqui de novo temos o mesmo envolvimento das três pessoas da Trindade na obra da criação: o Pai decreta, o Filho, sendo o Verbo, executa o decreto do Pai, e o Espírito concede a dinâmica vital ao processo.
“O teu trono, ó Deus, é para todo o sempre; cetro de eqüidade é o cetro do teu reino”.
Mas 45.7 traz uma referência a um Deus que abençoara ao Verbo que é o perfeito Rei:
“Amas a justiça e odeias a iniqüidade; por isso Deus, o teu Deus, te ungiu com o óleo de alegria, como a nenhum dos teus companheiros”.
O conceito de Deus abençoando Deus só pode ser entendido em um sentido trinitário. Um conceito de Deus unitário torna essa passagem ininteligível.
“Chegai-vos a mim e ouvi isto: não falei em segredo desde o princípio; desde o tempo em que isso vem acontecendo [i.e., o livramento do povo de Deus dos grilhões e da escravidão], tenho estado lá. Agora, o Senhor Deus me enviou a mim e o seu Espírito”.
Temos aqui o Deus-homem Redentor falando (o que se descreveu a si mesmo no v. 12 dizendo: “sou o primeiro e também o último”, e no v. 13, assim: “... a minha mão fundou a terra, e a minha destra estendeu os céus...” Agora ele diz, no v. 16: “... o Senhor Deus me enviou a mim e o seu Espírito (que nesse caso se refere a Deus, o Filho, e a Deus, o Espírito, a terceira Pessoa da Trindade). E possível que “e o seu Espírito” possa ligar-se a “me”, como objeto direto de “enviou”, mas no contexto do original hebraico, a impressão é que “seu Espírito” (rüah, Espírito) está ligado a ‘adonay YHWH (“Senhor Iavé), como mais um sujeito, em vez de um objeto. Seja como for, a terceira Pessoa torna-se distinta da primeira e da segunda, nesses versículos.
Além dos exemplos mencionados acima, de versículos do AT que não fazem sentido a não ser que se admita a natureza trinitária de Deus, do Senhor triúno, existem múltiplos exemplos da atividade do “Anjo de Iavé” que se iguala ao próprio Deus. Consideremos as seguintes passagens:
1. Gênesis 22.11 descreve o momento dramático da experiência de Abraão no monte Moriá, quando estava prestes a sacrificar seu filho Isaque:
“Mas do céu lhe bradou o Anjo do Senhor: Abraão! Abraão! Ele respondeu: Eis-me aqui”.
O versículo seguinte prossegue, igualando esse ser celestial ao próprio Deus: “...agora sei que temes a Deus, porquanto não me negaste o filho, o teu único filho”. Depois, nos v. 16 e 17,0 anjo declara: “Jurei, por mim mesmo, diz o Senhor, porquanto fizeste isso e não me negaste o teu único filho, que deveras te abençoarei e certamente multiplicarei a tua descendência...”. Fica bem claro que o anjo de Iavé aqui é o próprio Deus. “Iavé” é o nome de aliança do Deus Triuno, e o seu anjo também é o próprio Deus. Em outras palavras, podemos identificar o anjo de Iavé em passagens como essa, como sendo a pré-encarnação do Redentor, Deus o Filho, já engajado na obra redentora e mediadora, antes ainda de tornar-se um homem, filho da virgem Maria.
2. Em Gênesis 31.11,13 observamos o mesmo fenômeno; o anjo de Deus na verdade é o próprio Deus:
“E o Anjo de Deus me disse em sonho: Jacó! Eu respondi: Eis-me aqui [...] Eu sou o Deus de Betel, onde ungiste uma coluna...”.
3. Êxodo 3:2 declara:
“Apareceulhe o Anjo do Senhor numa chama de fogo, no meio duma sarça...”.
Depois, no v. 4, lemos:
“Vendo o Senhor que ele se voltava para ver, Deus, do meio da sarça...”.
A identificação completa nós a temos no v. 6:
“Eu sou o Deus de teu pai, o Deus de Abraão, o Deus de Isaque e o Deus de Jacó. Moisés escondeu o rosto, porque temeu olhar para Deus”.
Outra vez verificamos que o Anjo do Senhor não é outro senão Iavé em pessoa.
4. Juízes 13.20 declara:
“Sucedeu, que, subindo para o céu a chama que saiu do altar, o Anjo do Senhor subiu nela; o que vendo Manoá e sua mulher, caíram com o rosto em terra”.
Os v. 22 e 23 completam a identificação do anjo como sendo o próprio Senhor:
“Disse Manoá a sua mulher: Certamente, morreremos, porque vimos a Deus”. Mas sua esposa lhe disse: “Se o Senhor nos quisera matar, não aceitaria de nossas mãos o holocausto e a oferta de manjares, nem nos teria mostrado tudo isto”.
À face dessa pesquisa das evidências bíblicas, concluímos que as Escrituras verdadeiramente ensinam a doutrina da Trindade, ainda que não empregue esse termo. Além disso, devemos observar que o conceito de Deus como sendo um, em essência, mas três nos centros de consciência — a que a Igreja grega se referia como três hypostases e a latina como três personae — e concepção singular, exclusiva, na história do pensamento humano. Nenhuma outra cultura ou movimento filosófico jamais apareceu com uma idéia semelhante a essa a respeito de Deus — pensamento que continua difícil à nossa mente finita, para que o entendamos. No entanto, a inabilidade nossa para compreender completamente a riqueza e a plenitude da natureza de Deus, como Trindade Santa, não deve constituir motivo para o ceticismo.
Dr. Archer
Muito interessante, irmão, embora não acredite na trindade, concordo plenamente quando é dito que Jesus é Deus, e também, que o Anjo do Senhor é Deus. Todavia, se o Anjo do Senhor também é Deus, não haveria então um quarteto? Deus o Pai, Jesus, o Anjo do Senhor e o Espírito Santo? Aliás, se podemos dividir Deus de acordo com suas diferentes aparições/manifestações. Por que não podemos dividi-lo em um número maior ao invés de apenas três, tendo em vista que ele já fez diversas aparições como: O Senhor dos Exércitos, Jeová Rafá, Jeová Jiré, Ancião de Dias, El Elion, El Shaday, etc etc etc...
ResponderExcluirAbç.